HISTÓRIA E FILOSOFIA

domingo, 3 de julho de 2011

A AUTENTICIDADE DE UM ATEU - Jean Paul Sartre

"Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer."

                                             Jean Paul Sartre (1905-1980)
Ao concebermos um Deus criador, identificamo-lo, na maioria das vezes, com um artífice superior, e, qualquer que seja a doutrina que considerarmos quer se trate de uma doutrina como a de Descartes ou como a de Leibniz -, admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos o entendimento ou, no mínimo, que o acompanha, e que Deus, quando cria, sabe precisamente o que está criando. Assim, o conceito de homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de corta-papel, no espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo determinadas técnicas e em função de determinada concepção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma definição e uma técnica. Desse modo, o homem individualmente materializa certo conceito que existe na inteligência divina. No século XVIII, o ateísmo dos filósofos elimina a noção de Deus, porém não suprime a ideia de que a essência precede a existência. 


O homem possui uma natureza humana; essa natureza, que é conceito humano, pode ser encontrada em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal: o homem.


O existencialismo ateu... Afirma que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define.


O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou mesmo a da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser.


SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Traduções de Rita Correa Guedes, Luiz Roberto Salinas Fortes, Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os pensadores)


Comentário do blog:
"Quando muitos homens estão juntos, é preciso separá-los pelos ritos, senão matam-se uns aos outros."

                                                                               Jean-Paul Sartre 
A filosofia sartreana é em primeiro lugar um choque para os crêem em Deus e um absurdo para os que não crêem. Parafraseando o que Paulo de Tarso diz em sua epístola aos Coríntios: “nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos”. (I Co 1.23). Jamais Sartre pretenderia basear sua filosofia numa doutrina religiosa para provar a existência ou não existência de Deus. Mas o que claramente fala o filósofo em relação à Deus e o homem é simples: se Deus não existe, logo, no homem não há uma essência anterior à sua existência, em outras palavras, enquanto o homem não se definir tal qual ele é apenas um projeto humano. Em Sartre, nem no homem e nem em Deus existe uma essência anterior a uma existência. Agora como o homem adquire sua existência para posteriormente revelar sua essência? Imagine uma criança mais ou menos antes dos sete anos. Pois segundo a psicologia é somente após os sete anos de vida é que ela desenvolve seu raciocínio de discernimento em relação as suas escolhas, ou seja, a criança nesse estágio pode ser "dona de seu livre-arbítrio" fazendo suas escolhas. Aqui é quando o homem passa a ter uma existência. E com suas escolhas se define e só então aparece sua essência. E o que Sartre diria quando essa criança nasce e nela não há nenhum livre-arbítrio? Ela não é nada. Em outras palavras, ela não existe. 


Se admitirmos que há uma existência de um ser maior que o homem, ou seja, Deus, então temos que admitir "em essência" que o homem também existe. Isto seria contraditório, pois tendo o homem uma essência, potencialmente ele existiria antes de existir atualmente. Se somente Deus é eterno, também o homem o seria. E isto, para Sartre, seria um absurdo. Em suma, só passamos a existir quando de fato sabemos fazer nossas escolhas. E Sartre vai mais além, se escolho ser por exemplo, um bandido, então escolho toda humanidade junto para esse fim. Se escolho ser um pacificador, também escolho toda a humanidade. Em fim, somos aquilo que escolhemos e nada mais. Ao nascermos, não somos nada. Por isso a filosofia sartreana é considerada existencialista.