HISTÓRIA E FILOSOFIA

domingo, 31 de julho de 2011

STEFAN ZWEIG - BRASIL, PAÍS DO FUTURO: VENDO O BRASIL EM OUTRA PERSPECTIVA


(...O Brasil parece-me um dos países mais modelares e, por isso, uns dos mais dignos de estima. É um país que odeia a guerra e, ainda mais, que quase não a conhece. Há mais de um século, com exceção da guerra do Paraguai, que foi insensatamente provocada por um ditador que perdera a razão, o Brasil tem resolvido todas as questões de limites com seus vizinhos por meio de acordos e arbitragens internacionais. O seu orgulho e os seus heróis não são apenas guerreiros, mas estadistas, como Rio Branco e Caxias, que com prudência e firmeza souberam evitar e acabar guerras. O Brasil, cujo idioma se limita ao seu território, não tem desejos de conquistar territórios, não possui tendências imperialistas. Nenhum vizinho pode exigir dele alguma coisa e ele nada exige de seus vizinhos. Nunca a paz do mundo foi ameaçada por sua política, e, mesmo numa época de incertezas como a atual, não é possível imaginar que o princípio básico de sua ideia nacional, esse desejo de entendimento e de acordo, se possa jamais alterar. Esse desejo de conciliação, essa atitude humanitária, não tem sido o sentimento casual dos diferentes chefes e dirigentes do país; é o produto natural dum predicado do povo, da tolerância natural do brasileiro, a qual no curso da sua história sempre se confirmou. O Brasil é uma nação em que não existiram perseguições religiosas sangrentas, nem fogueiras de inquisição. Em nenhum outro país os escravos foram tratados relativamente com mais humanidade. Mesmo suas revoluções interiores e mudanças de regime se efetuaram quase sem derramamento de sangue. Os dois imperadores, que a vontade do Brasil de se tornar independente fez deixarem o país, dele se retiraram sem sofrer vexames e, por isso, sem ódio. Mesmo após rebeliões e intentonas que foram sufocadas, desde a independência do Brasil o, cabeças não pagaram o ato de insurreição com a vida. Quem quer que governe o povo brasileiro, inconscientemente é forçado a adaptar-se a seu espírito de conciliação; não constitui uma casualidade o fato de o Brasil — que entre todos os países da América durante decênios foi a única monarquia ter tido como imperador o mais democrata, o mais liberal de todos os soberanos. E hoje, que o Governo é considerado como ditadura, há aqui mais liberdade e mais satisfação individual do que na maior parte dos nossos países europeus. Por isso na existência do Brasil, cuja vontade está dirigida unicamente para um desenvolvimento pacífico, repousa uma das nossas melhores esperanças de uma futura civilização e pacificação do nosso mundo devastado pelo ódio e pela loucura. Mas onde se acham em ação forças morais, é nosso dever fortalecermos essa vontade. Onde na nossa época de perturbação ainda vemos esperança de um futuro novo em novas zonas, é nosso dever indicarmos esse país, essas possibilidades. 
     E por isso escrevi este livro.)  _Último parágrafo da introdução da obra - Brasil, país do futuro de Stefan Zweig.

Meus comentários...

A obra de Zweig me fez lembrar o episódio de Olavo Bilac quando este foi procurado por um senhor comerciante e amigo seu para escrever uma publicidade no jornal a fim de vender sua propriedade. O poeta, que já conhecia a propriedade, caprichou nos mínimos detalhes da seguinte maneira:

VENDE-SE ENCANTADORA PROPRIEDADE
 
"Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer  no extenso arvoredo. Cortada por cristalinas e marejantes água de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes na varanda."

Após ler o anúncio o comerciante logo percebeu o valor que tinha sua chácara, e com isso desistiu da venda dizendo: sr Bilac, ao ler o que você tinha escrito, é que percebi o valor que tinha a minha propriedade.

Eis um homem que faz uma triagem histórica das características do Brasil. Stefan Zweig foi sem dúvida uma pessoa que viu no Brasil um futuro do qual ele sempre almejava encontrá-lo na sua Europa assolada pelas guerras do início do século XX. Mesmo até em sua cidade natal de Viena. De fato, o Brasil visto por este europeu, ainda preserva seus traços com exceção de sua postura interna de seus habitantes quando tratamos de política e igualdade social. Mas não é esse o papel de quem vem de fora, ou seja, de observar como de fato o brasileiro se comporta com os seus. Isso é papel nosso. De cada um. Somos mesmo até certo ponto conivente com os que chegam em empreender negócios fazendo de nossas praias, terras e paisagens suas empresas de turismo. Hoje com certeza, Zweig manteria seu discurso. Mas em relação ao comportamento de brasileiro para brasileiro, ainda vemos muito preconceito de cor ou posição social. 

Stefan Zweig nasceu a 28 de novembro de 1881 em Viena. Estudou Filosofia e começou a escrever poesias, dramas e traduziu inúmeras obras francesas para o alemão. Pacifista, sonhava com uma Europa unida. A primeira guerra mundial o desanimou. Iniciou escrevendo pequenas histórias que o tornaram famoso. Sua origem judaica o obrigou a abandonar a Áustria. Problemas de consciência, somados à angústia devido à guerra, levou-o ao suicídio em Petrópolis, em 22 de janeiro de 1942. Suas inúmeras obras foram divulgadas em várias línguas, inclusive “Brasil, país do futuro”, hoje esgotado e raro, graças à falta de sensibilidade e bom senso dos editores brasileiros de livros em papel.